Com a dívida dos EUA perto de US$ 37 trilhões e o Japão liderando os credores estrangeiros, cresce a pergunta: existe (ou pode existir) uma estratégia política para forçar a queda dos juros — e, de quebra, um dólar mais fraco?
Por Fátima Miranda
Washington (EUA) — A dívida bruta dos Estados Unidos ronda cerca de US$ 37 trilhões neste fim de agosto de 2025, somando o que é detido pelo público e o que fica dentro do próprio governo. É um número que muda diariamente e cujo detalhe oficial está no painel “Debt to the Penny”, do Tesouro americano.
Ao mesmo tempo, o apetite estrangeiro por títulos americanos bateu recorde em junho: US$ 9,13 trilhões nas mãos de não residentes, quarto mês seguido acima de US$ 9 trilhões. No topo do ranking segue o Japão; o Reino Unido já ultrapassou a China, que recuou ao terceiro lugar. Dados oficiais da série TIC mostram: Japão (US$ 1,148 tri), Reino Unido (US$ 858 bi) e China (US$ 756 bi).
Enquanto isso, o debate político-econômico em Washington ferve: Donald Trump tem pressionado por cortes agressivos de juros, reacendendo a discussão sobre “dominância fiscal” — quando as necessidades do Tesouro passam a ditar, direta ou indiretamente, a política monetária. O tema ganhou tração nas últimas semanas, com reportagens destacando o risco à independência do Fed e o argumento de que juros mais baixos aliviariam a conta de juros da própria dívida pública.
O dado é claro. A intenção, nem tanto.
Fato 1 — O tamanho da dívida. O estoque é gigantesco e crescente. (Base: Tesouro/“Debt to the Penny”.)
Fato 2 — Quem financia. Estrangeiros seguem peça-chave: o total nas mãos de não residentes está em recorde, com liderança do Japão e a China atrás do Reino Unido. (Fontes: Reuters e TIC/Tesouro.)
Fato 3 — As pressões por juros menores. Há cobertura robusta sobre o palanque pró-corte e o risco de “dominância fiscal” — a percepção de que reduzir juros seria também reduzir os gastos com juros do governo. (Fontes: Reuters e outras análises recentes.)
Fato 4 — Vencimentos existem o tempo todo. A dívida americana não “vence toda de uma vez”: ela é um mosaico de prazos. Em 2025, por exemplo, cerca de US$ 9,2 trilhões em Treasuries vencem — um “maturity wall” relevante, mas longe de um único grande vencimento em quatro anos.
A hipótese que intriga: dólar mais fraco como “válvula de escape”?
Aqui mora a interrogação. Não há evidências públicas de um plano deliberado da Casa Branca para desvalorizar o dólar como via de “redução” da dívida — que é nominada em dólar e, portanto, não encolhe nominalmente com a queda da moeda. Ainda assim, uma combinação de juros mais baixos + tarifas (que podem mexer com inflação e com o câmbio) poderia, em tese, alterar o ambiente macro de modo a reduzir o peso real da dívida se a inflação se mantiver mais alta que os juros — embora isso costume encarecer o financiamento futuro (via prêmios de risco maiores) e pressionar o próprio dólar.
Nos mercados, o que se vê agora é uma Fed sinalizando cortes cuidadosamente por motivos econômicos (desaceleração), enquanto as pressões políticas aumentam, inclusive com ataques públicos ao presidente do Fed. É um equilíbrio delicado: o Fed insiste na independência, mas o ruído político eleva a suspeita de que a política monetária possa estar sendo arrastada por objetivos fiscais.
E as tarifas nessa história?
Propostas recentes sugerem que novas tarifas ajudariam a gerar receita e reduzir déficits ao longo de vários anos (estimativas circulam entre analistas e projeções orçamentárias). Avaliações recentes colocaram reduções significativas de déficit associadas ao pacote tarifário — um ponto que, se materializado, aliviaria parte das necessidades de financiamento. (Relatos variam quanto à magnitude e metodologia; acompanhar números oficiais e revisões é crucial.)
O que está em jogo
Custo de rolagem: com vencimentos grandes vindo recorrentemente, cada ponto de juro faz diferença de centenas de bilhões na conta anual.
Confiança no dólar: tentar “forçar” um dólar mais fraco pode sair caro, elevando prêmios exigidos por investidores estrangeiros — que, recorde-se, detêm mais de US$ 9 tri em Treasuries.
Independência do Fed: sinais de ingerência alimentam a narrativa de dominância fiscal — e mercados precificam risco quando percebem que a meta de inflação pode ser comprometida.
Perguntas que o mundo fará nos próximos meses
1. Qual é a real prioridade de política econômica? Se a queda dos juros virar eixo central, o Fed conseguirá comunicar que age por dados — e não por pressão?
2. Tarifas vs. inflação: o ganho fiscal compensa o impulso sobre preços? E, se a inflação reacender, o dólar enfraquece ou fortalece com fuga para Treasuries?
3. Estrangeiros continuam comprando? Com Japão, Reino Unido e China como grandes detentores, qualquer dúvida sobre trajetória de juros e câmbio pesa nas compras futuras.
Conclusão — Uma hipótese incômoda, mas testável
Hoje, não há prova de um plano explícito para derrubar o dólar e “aliviar” a dívida. Há, sim, um ambiente político pressionando por juros mais baixos, uma agenda tarifária com promessas de receita, e um estoque de dívida cujos vencimentos constantes tornam o custo de financiamento um tema existencial. A pergunta legítima — e jornalística — permanece: se o efeito agregado de juros mais baixos, tarifas e retórica política empurrar o dólar para baixo, estaremos diante de acidente de percurso ou de engenharia política?
A resposta virá dos dados, não de declarações. E os dados — juros, inflação, câmbio, leilões do Tesouro e a própria postura do Fed — vão falar alto nas próximas decisões.
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Fontes-chaves e dados oficiais consultados:
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