Quando a cena de terror acontece em casa, Eduardo descobre o peso de práticas que sua própria família sempre aplaudiu nos outros.
Brasília — O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) insinuou que Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, estaria por trás do assalto à casa de seus familiares em Resende (RJ). Em postagem nas redes, falou em “cena de terror” e questionou “a sede de vingança desse homem” e “a obediência cega de policiais”. A fala, feita sem provas, carrega um tom subliminar de acusação direta contra um ministro da Suprema Corte.
A ironia é que a narrativa de Eduardo colide com o histórico da própria família. O clã Bolsonaro consolidou sua trajetória política justamente sob práticas que hoje o deputado descreve como perseguição: intimidação de adversários, manipulação da opinião pública e até a defesa de medidas autoritárias.
Em 2019, o mesmo Eduardo declarou que, caso a esquerda “radicalizasse”, a resposta poderia ser “um novo AI-5”, numa referência direta ao mais duro ato da ditadura militar — declaração que levou à abertura de processo no Conselho de Ética e a uma retratação pública.
Ao longo do governo Bolsonaro, surgiu o chamado “Gabinete do Ódio”, núcleo de assessores digitais acusado de coordenar disparos em massa e campanhas de desinformação contra adversários, jornalistas e instituições democráticas. Segundo delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o grupo atuava de forma estruturada, com apoio até de uma Abin paralela.
Além disso, dossiês foram montados pelo Ministério da Justiça contra professores, servidores e cidadãos considerados “antifascistas”, catalogando nomes e dados pessoais. O próprio Eduardo Bolsonaro é acusado de ter levado esse material a órgãos norte-americanos, em uma prática comparada ao antigo SNI da ditadura.
Mais recentemente, investigações da Polícia Federal apontaram o uso da Abin para espionagem ilegal de jornalistas, magistrados e até parlamentares, revelando uma máquina estatal voltada contra críticos do governo Bolsonaro.
Diante desse repertório, a tentativa de Eduardo Bolsonaro de transformar sua família em vítima absoluta da “perseguição” de Alexandre de Moraes soa contraditória, quando não cínica. O deputado acusa outros daquilo que seus próprios aliados praticaram sistematicamente.
No fim, a “cena de terror” descrita por Eduardo não é inédita no Brasil. A diferença é que, desta vez, o espelho se voltou contra a família Bolsonaro.
Fontes (em ordem de citação na matéria)
Eduardo Bolsonaro sugere novo AI-5 (Poder360) https://www.poder360.com.br/congresso/novo-ai-5-pode-ser-resposta-a-radicalizacao-da-esquerda-diz-eduardo-bolsonaro/
Eduardo Bolsonaro se desculpa por declaração sobre AI-5 (Agência Brasil) https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-10/eduardo-bolsonaro-se-desculpa-por-declaracao-sobre-ai-5
Histórico e investigações sobre o Gabinete do Ódio (UOL) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/07/11/gabinete-do-odio-relembre-historico-investigacoes-pf.htm
Delação de Mauro Cid detalhou funcionamento do Gabinete do Ódio (CartaCapital) https://www.cartacapital.com.br/politica/delacao-de-mauro-cid-detalhou-o-funcionamento-do-gabinete-do-odio-de-bolsonaro-diz-jornal/
PF vê ligação entre Abin paralela e Gabinete do Ódio (Veja) https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/pf-ve-ligacao-entre-abin-paralela-e-gabinete-do-odio-de-bolsonaro/
Eduardo Bolsonaro entregou dossiê contra antifascistas aos EUA (CLACSO) https://www.clacso.org/en/dossie-contra-antifascistas-entregue-aos-eua-por-eduardo-bolsonaro-cita-jornalistas-e-professores/
STF recebe dossiê sobre antifascistas (CNN Brasil) https://www.cnnbrasil.com.br/politica/carmen-lucia-manda-justica-entregar-dossie-sobre-antifascistas-a-ministros/
Espionagem ilegal pela Abin no governo Bolsonaro (AP News) https://apnews.com/article/7be67b1bb6b0fb8f3cd31a9f85124b16
PF acusa Bolsonaro de espionagem ilegal (El País) https://elpais.com/america/2025-06-17/la-policia-acusa-a-bolsonaro-de-espionaje-ilegal.html
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